PML: PARA ENTENDER A CRUELDADE DE ANGELA MERKEL CONTRA A GRÉCIA

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por Paulo Moreira Leite - 28 de junho de 2015
 Recusa de toda concessão ao Syriza pretende cortar, pela raiz, tentativa pioneira de resistência aos programas de austeridade
A crueldade exibida pela União Europeia de Angela Merkel diante das reivindicações do governo de Alexis Tsipras não tem causas econômicas mas políticas.
O atraso no pagamento de uma parcela de 1,6 bilhão de euros ao FMI, que vencerá nesta terça-feira, poderia perfeitamente ser perdoado, pois não prejudica nenhuma das demais economias do Velho Mundo. O custo para negociar um pacote de maior, de 8,7 bilhões, é ridículo, diante das reservas internacionais do Banco Central Europeu, superior a 800 bilhões de dólares,
O fato é que a Grécia preocupa os mercados e aqueles governos que atuam como seu braço político porque se tornou um exemplo a ser abatido, um mal que precisa ser cortado pela raiz. Explico: a grande força que mantém as políticas de austeridade de pé na maioria dos países europeus, inclusive aqueles que têm governo nominalmente social-democratas e socialistas, é a convicção dos eleitores de que não há outra saída além da austeridade, do crescimento baixo, da perda de conquistas históricas de bem-estar social. Os eleitores não concordam com o que acontece. Não querem ter os direitos diminuídos, o futuro ameaçado. Mas estão convencidos de que não tem outro jeito. A adesão dos partidos social-democratas aos programas de austeridade cumpre um papel fundamental nessa postura. Mostram que, também para eles, não há outra saída, ajudando a manter a situação como está.
O quadro político europeu, de conformismo diante do empobrecimento, mudará no Continente inteiro, conectado por uma moeda única, um mercado único e instituições políticas próximas, se a Grécia conseguir uma concessão.
Imagine o que acontece na Espanha, onde as eleições municipais de maio mostraram uma derrota histórica dos conservadores do PP e dos social-democratas, abrindo espaço para uma possível vitória do Podemos em novembro. A Espanha também está submetida a um prolongado programa de austeridade, sem saída visível, nenhum progresso notável.
Imagine o que acontece na França, com o PS de François Hollande, ou com os trabalhistas ingleses, humilhados por uma derrota para os conservadores justamente porque fizeram o possível para se mostrar confiáveis até a medula para os mercados.
A Europa encontra-se sob ameaça de uma regressão histórica, na qual um regime que é definido como ” capitalismo democrático,” pela proteção aos direitos dos trabalhadores e da população pobre, pode ser substituído por versões selvagens do Estado mínimo, com todas as consequências daí decorrentes. Depois da crise de 2008, a política econômica do Banco Central Europeu consistiu em combater uma possível alta da inflação — quando era óbvio que o problema real era estimular o crescimento.
O atual declínio europeu ajuda a entender as dificuldades de recuperação da economia mundial, pois ali se encontra o maior mercado do planeta, com o maior potencial de consumo.
O plano de Alexis Tsipras é buscar respaldo num referendo popular. Resta ver que vai acontecer. Os mercados não são muito amigáveis com iniciativas democráticas onde podem ser derrotados.
Em 2010, o social-democrata George Papandreau foi forçado a renunciar quando tentou fazer um referendo — também. Depois de dois anos de austeridade duríssima, o governo Papandreau estava com a popularidade no chão e era motivo de repúdio geral.
Num sinal de que a austeridade não convive bem com a democracia, o referendo não pode ser realizado. Numa ação coordenada entre os mercados, a bancada conservadora do parlamento e inclusive alguns membros de seu partido, o primeiro-ministro acabou substituido por um executivo do mercado financeiro, Lucas Papademus, que nem era membro do Parlamento — como pedem as leis do país.

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